Aula de 19/07/1995 – Plano de imanência: esse turbilhão de luz

Temas abordados nesta aula são aprofundados nos capítulos 7 (Cisão Causal) e 13 (Arte e Forças) do livro “Gilles Deleuze: A Grande Aventura do Pensamento”, de Claudio Ulpiano.

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Exatamente como na aula passada, nós hoje vamos começar falando sobre Imagem do Pensamento. E para falar sobre Imagem do Pensamento eu vou usar Proust ― tomando por base um livro do Deleuze chamado Proust e os Signos (eu vou procurar facilitar e falar meio devagar, para ver se nesse meio tempo o “quadro” chega aqui, tá?). Retomando a aula passada, a ideia da existência de um sujeito humano; ou seja, o saber da existência de um sujeito humano que seria constituído por um conjunto de forças. E aqui já passamos para uma linguagem do Nietzsche, mas isso agora não importa.

Aluna: Dizer “sujeito humano” não é uma redundância?

Claudio: Redundância dizer sujeito e humano? Não! Inclusive na aula passada eu coloquei que qualquer vivo seria um sujeito: um centro de decisões. A redundância de “sujeito humano” tem origem em um processo de subjetivação que se pretende fazer; mas não, de maneira nenhuma! Qualquer ser vivo é um centro de decisões ― e, neste momento, é a isto que estamos chamando de sujeito. E vejam bem, as palavras são inocentes: sempre recebem o sentido daquele que delas se apodera ― nenhuma palavra tem sentido nela mesma. Depende do poder que dela se apodera ― que é o poder é que vai lhe dar sentido. No caso, o poder agora sou eu. Então, o sentido que eu estou dando ao “sujeito humano” é: algo que é dotado de forças.

As forças do sujeito humano chamam-se faculdades. Essas faculdades (a inteligência, a linguagem, a memória, a imaginação, a percepção…) seriam chamadas de faculdades do sujeito; ou ― fazendo uma pequena variação na linguagem ― seriam as faculdades da consciência. A nossa consciência, quando se exerce, utiliza-se dessas faculdades. Mas eu vou lançar outra faculdade, que não pertenceria ao sujeito humano, mas o pressuporia. Ou seja, uma faculdade que está no sujeito, mas não pertence ao sujeito ― o pensamento.

(Desde a primeira aula venho extraindo a ideia de vivo para não trazer complicação, e estou falando em termos de homem. E eu vou manter assim, mas  ela pode ser expandida.)

Quando a faculdade do pensamento quer se expressar, pressupõe o sujeito humano. Logo, vou dizer que há um conjunto de faculdades que são do sujeito humano; e uma faculdade chamada pensamento, que implicaria o sujeito, mas não pertenceria a ele.

A partir daqui, vou aplicar dois verbos ― manifestar e expressar. Quando o sujeito humano quer se mostrar, ele se mostra manifestando-se por essas faculdades: inteligência, memória, hábito, imaginação, etc. O sujeito humano tem o poder de manifestar o seu interior, utilizando esse conjunto de faculdades.  E o pensamento ― que já não pertenceria ao sujeito humano, mas o implicaria ― também se exporia. E ao ato de exposição do pensamento chamamos expressão.

Então, eu estou dizendo (e eu acho que dá para colar perfeitamente) da existência de duas subjetividades; razão pela qual eu empreguei o nome sujeito.

Há, então, duas subjetividades: uma identificada à consciência, que seria a subjetividade do sujeito pessoal (a subjetividade do Claudio, a subjetividade da Olímpia, a subjetividade de cada um de nós), o sujeito pessoal que nós somos ― aquele que constrói uma história, que faz uma vida; e se manifesta por essas faculdades. Pela inteligência, ele faz seus cálculos, ele faz suas lógicas, ele organiza sua vida. Pela memória, ele se lembra dos seus fatos, dos seus antigos presentes. E uma faculdade que não pertenceria ao sujeito, mas estaria no interior dele.

Ora, se eu digo isso, que há uma faculdade que estaria no interior do sujeito, mas não pertenceria a ele, estou construindo uma teoria da existência de duas subjetividades: uma subjetividade que eu vou chamar de subjetividade personalizada, ou seja, a subjetividade pessoal ― que é aquela que se consagraria pela manifestação das suas faculdades; e outra faculdade, que estou chamando de pensamento (ela vai começar a trazer uma pequena complicação), que não poderia se expressar senão pelo sujeito, mas nada tem a ver com o sujeito.

Estou dizendo que há dois interiores: um se manifestaria e o outro se expressaria. A expressão é do pensamento; e a manifestação é das outras faculdades.

(Eu vou usar uma linguagem que talvez enriqueça o que eu estou dizendo)

Essas outras faculdades ― enquanto pertencentes ao sujeito e que constituem a história pessoal de cada um ―, eu vou chamar de consciência. O pensamento ― que seria uma faculdade que estaria no interior do sujeito, mas não pertenceria a ele ―, eu vou chamar de inconsciente.

(Mas agora eu vou forçar mais:)

Eu vou dizer que essas faculdades que pertencem ao sujeito têm um uso voluntário (atenção para essa palavra!), no sentido de que a inteligência, a memória, a imaginação são associadas a um poder do sujeito chamado vontade. Ou seja, o sujeito humano pode ― por sua vontade ― determinar que a faculdade da inteligência apareça e dê conta de alguma coisa. Essa vontade pode determinar que a memória apareça e venha recuperar um antigo presente. Então, as faculdades do sujeito são todas voluntárias.

― O que são faculdades voluntárias? As faculdades são chamadas voluntárias quando se associam a uma figura chamada vontade, que pertence à consciência; e sempre que a prática da nossa consciência se dá, a vontade se atrela a essas forças do sujeito.  Por exemplo, se amanhã eu for obrigado a fazer uma prova para tirar carteira de motorista, então, ao fazer essa prova ― por minha vontade ― eu solicito a presença da minha inteligência; a minha inteligência vai verificar que o sinal vermelho vai me obrigar a parar o carro; etc. Mas foi uma atividade chamada voluntária.

Quanto ao pensamento (que seria a faculdade que está no interior do sujeito, mas não pertenceria a ele), suas atividades seriam involuntárias. Sempre involuntárias!

(Eu agora vou melhorar, para vocês poderem entender essa distinção de voluntário e involuntário, porque essa distinção vai se tornar uma chave.)

(Ainda há a possibilidade do “quadro” chegar ou não? Há?)

(Atenção!)

A nossa memória é uma faculdade do sujeito humano. O que é a memória? Qual é exatamente a função que a memória exerce na nossa vida de sujeitos?  A memória tem a função de recuperar ou re-atualizar (e esse é o nome exato) antigos presentes.  Ou seja, o que a memória faz é buscar experiências que fizemos numa determinada época da nossa vida. Logo, a memória não é um órgão que se associa com o passado; ela se associa com antigos presentes. A minha memória só pode apreender aquilo que já foi presente para mim.

(Vocês entenderam?)

Aluna: Por que não poderia ser passado?

Claudio: Por enquanto nós não sabemos, mas daqui a pouco vamos saber. Por enquanto nós sabemos que o que a memória apreendeu foi um antigo presente.

No cinema, temos o flash-back, que exerce essa função: exerce a função da memória. Atenção para um filme magnífico, que dará uma prática de conhecimento imensa do que eu estou dizendo: um filme de um diretor chamado MankiewiczA Condessa Descalça ― onde teremos a presença do flash-back com uma perfeição incrível; e é o momento em que o flash-back está aparecendo no cinema.  Então, estou associando o flash-back à memória; e a memória à re-atualização dos antigos presentes. Vou re-atualizar um antigo presente meu: o momento em que, na aula passada, uma aluna disse: “isto é contraditório”.

Sem dúvida nenhuma, a memória faz um mergulho no tempo, ― como se diz mergulho de uma câmera, um plongée ―, ela mergulha no tempo! E quando ela mergulha no tempo, ela traz de seu mergulho alguma coisa que foi presente.

Em função disso (e até forçando um pouquinho, mas não muito), eu vou utilizar um filósofo grego chamado Platão, do século V a.C. que emprega a palavra grega anamnese. Nós vamos traduzir anamnese por reminiscência. Platão não identifica a reminiscência à memória, no sentido de que a reminiscência não teria a função de apreender um antigo presente; mas a função de apreender o passado puro.

― O que quer dizer passado puro? Quer dizer um passado que nunca foi presente. (Dificílimo o que eu disse!) Quer dizer, um flash-back não apreende o passado puro. Eu só estou falando em reminiscência para neste instante distingui-la do passado. (Quer dizer, porque eu estou lançando essa tese, fazendo um trabalho totalmente diferente do que eu ia fazer, porque o “quadro” não está aqui para eu demonstrar…) Eu estou usando a noção de reminiscência porque, através dela, já poderei começar a indicar filmes do Godard, do Fellini, do Visconti, do neo-realismo italiano, e assim por diante; quer dizer, filmes que trabalham com o tempo puro.

Cães de Aluguel (1992)Aluna: Claudio, então, o flash-back do Cães de Aluguel não é uma reminiscência?

Claudio: É, mas vai complicar porque provavelmente nem todos viram Cães de Aluguel

Aluno: Morte em Veneza tem vários flashes-back.

Claudio: Tem vários flashes-back, não é? É, mas ela perguntou se eu teria algum exemplo de reminiscência.

O que eu quero fazer com a reminiscência é distingui-la da memória.  Vamos dizer que todas as minhas experiências ― por exemplo, tomar este café é uma experiência; estar falando com vocês é outra experiência ―, todas as nossas experiências se dão no presente do tempo.  Essas nossas experiências desaparecem, no sentido de que o presente muda. (Essa questão de que o presente muda é complicadíssima!). O presente muda. Então, essas experiências que tinham sido presentes se transformam em antigos presentes.

(Eu vou usar uma imagem enlouquecida: ninguém ligue para isso:)

Eu vou dizer que esses antigos presentes são peixes; e que esses peixes têm que estar em algum lugar.  Esse lugar é um mar. Os peixes ficam no mar. O que são os peixes? São os antigos presentes. Quando a memória funciona, ela é como um anzol: vai lá e pesca os peixes e os traz para o presente.  Isso que é a memória: ela traz o antigo presente para o presente atual.  A reminiscência não trabalha com peixes, trabalha com o mar. O mar é o tempo puro, que abriga os peixes.

Aluna: O tempo puro?

Claudio: Neste instante, o que eu estou chamando de tempo puro (ainda é muito difícil, evidentemente vai-se manter o curso todo) é um passado que nunca foi presente.

(Eu vou dar uma insistida para aumentar o entendimento. Vou fazer uma insistência em cinema… usar a ideia de flash-back, pelo menos o flash-back clássico:)

Foi citado aqui um flash-back do Quentin Tarantino. Esse flash-back se aproxima muito de um feito pelo Hitchcock: o flash-back de alguma coisa que nunca tinha sido presente.  Se vocês forem ver Cães de Aluguel, verão essa obra-prima do Tarantino.  Ele faz um flash-back inacreditável ― porque é o flash-back que não é de um antigo presente.  A ideia geral que eu estou passando para vocês é que a memória se associa com o antigo presente. Agora, esse antigo presente (este é um momento muito difícil, eu ainda não vou ter como controlar para vocês…, eu usei uma imagem até um pouco idiota:) eu chamei de “peixe” e coloquei os peixes dentro mar. Logo, esses peixes habitam o mar: eles são os antigos presentes. Se retirarmos os peixes, o mar prossegue. Esse mar é o Tempo Puro. (Ainda há muita dificuldade de se entender! Mas uma pequena linha, assim, já começou a se formar…)

Aluna: Professor, só um pouquinho atrás… as faculdades voluntárias… como a inteligência e a memória, não sei citar outras, elas são expressadas/manifestadas e…  o pensamento é…?

Claudio: O pensamento é involuntário…

Aluna: O pensamento é manifestado pelo indivíduo?

Claudio: Não. Não é manifestado pelo indivíduo. Ele passa pelo sujeito, mas não são as faculdades do sujeito que o estão produzindo. Vou dizer mais ou menos para você. Mais ou menos assim… Vamos ver se vocês conhecem alguma coisa do que eu vou dizer:

Quando o Fernando Pessoa faz um poema, alguns dos poemas do Fernando Pessoa não se originam nas faculdades do sujeito, originam-se no pensamento.



“Foi em 8 de Março de 1914 —, acerquei-me de uma cômoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título,
“O Guardador de Rebanhos”. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio também, os seis poemas que constituem a “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente… Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reação de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro. Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir — instintiva e subconscientemente — uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jato, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a “Ode Triunfal” de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem. Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria”.

Fernando Pessoa [carta a Casais Monteiro, janeiro de 1935]


Quando se pega uma tela de um determinado pintor, aquilo não está vindo das faculdades da consciência; está vindo do que eu estou chamando de pensamento. O pensamento como involuntário.

― O que quer dizer involuntário? Quer dizer que não está submetido à nossa vontade.  Quer dizer: se eu quiser despertar essa faculdade chamada pensamento (que está dentro de mim, mas não pertence a mim como sujeito), e usar minha vontade para dizer: “por favor, pensamento, venha trabalhar a meu favor” ― ele não virá, ele não virá!

(Vocês entenderam?)

O pensamento não é submetido à vontade: ele é involuntário.

(Eu vou forçar mais um pouco:)

A reminiscência, à diferença da memória, também é involuntária. A memória é voluntária e a reminiscência seria involuntária.

Aluna: Eu não entendi reminiscência…

Claudio: Prestem atenção. Eu vou tentar fazer para vocês entenderem. Deixem-me completar…

Aluno: A paramnésia, o déjà vu

Claudio: Já usar a paramnésia? Ainda não.

Aluno: Seria um tipo muito específico de reminiscência?

Claudio: A paramnésia seria o exemplo perfeito da reminiscência. Mas eu acho que ainda não dá para usar, tá? Mais umas três ou quatro aulas para entrar em paramnésia… É quase… ou talvez não; já que você chamou a atenção, é possível que eu entre.

Aluno: Há uma semelhança (…)

Claudio: Não é não. Se eu usar a paramnésia eu posso produzir aqui um verdadeiro inferno. Você vai ver depois, eu talvez até use em homenagem a você. Mas eu não sei se eu vou produzir um inferno usando-a aqui.

Vamos ver uma coisa aqui para a gente entender. Vamos ver duas noções sem nenhuma complicação matemática, sem nenhuma complicação física, sem nenhuma complicação metafísica. Duas noções relativamente difíceis de serem entendidas, embora nós convivamos com elas o tempo todo ― espaço e tempo:

Vamos usar este copo. Olhem só: este copo tem três dimensões ― altura, largura e profundidade. É o espaço que dá a este copo três dimensões.  Todos os corpos que estiverem no espaço têm que, necessariamente, se submeter a essas três dimensões: vão entrar nessas três dimensões. Ou seja, as coisas que estão no espaço necessariamente vão ter um volume.  Essas três dimensões não são propriedades das coisas, são propriedades do espaço. (Entenderam?). No momento em que eu digo isso, que são propriedades do espaço e não propriedades das coisas, nós podemos fazer uma distinção, creio que com inteira facilidade: de um lado existem as coisas; e do outro existe o espaço.  Somente não podemos pensar as coisas sem o espaço. Porque se nós formos pensar as coisas sem o espaço, as coisas deixam de ser coisas: porque aquilo que as coisifica são as três dimensões.

(Deu para entender?)

Então, as coisas estão dentro de algo.  O que é este algo no qual as coisas estão? O espaço. Agora, olhem este copo: além de estar no espaço, este copo está no presente do tempo. Então, este copo aqui ― como qualquer outra coisa ― está no espaço e está no presente do tempo. Isso é essa expressão que nós costumamos usar no quotidiano que é: tudo o que existe, existe aqui (espaço) e agora (presente do tempo). Qualquer coisa que existe está nas três dimensões do espaço e no presente do tempo.

― Então, que horas são? Cinco para as oito. Agora ― exatamente às cinco para as oito ― este copo está no presente do tempo; e dentro do espaço.  Agora são quatro para as oito; passou-se um minuto. Aquele copo que estava aqui, às cinco para as oito, desapareceu do presente do tempo e desapareceu do espaço.  Este copo que aqui está já é outro. Aquele já desapareceu, já não está mais aqui. Mas eu tenho o poder de recuperá-lo. Qual é o poder que eu tenho de recuperá-lo? A memória. E no cinema? O flash-back. Então, com a memória, eu vou fazer um mergulho estranhíssimo, porque estou dizendo que este copo saiu do presente do tempo e do espaço.  Não sei para onde ele foi.  Só sei que para onde ele foi não existe espaço.  Por quê? Porque o espaço só existe no presente do tempo.  Para onde quer que o copo tenha ido, não estará mais no espaço, porque onde ele está não existe espaço.

Melhor explicado, para facilitar o entendimento: o que está no presente do tempo e nas três dimensões do espaço chama-se corpo.  Ou seja, o copo que estava aqui às cinco para as oito deixou de ser um corpo; já não é mais um corpo. Por que ele não é mais um corpo? Porque ele saiu do presente do tempo e das três dimensões do espaço.  Então, eu vou tentar buscar esse copo pela minha memória.  Logo, a minha memória vai entrar no espaço? Não; ela vai entrar no tempo. E ao entrar no tempo, ela vai pegar esse copo lá no fundo do tempo, como antes ele estava no fundo do espaço. A memória traz o copo do fundo do tempo e o traz para o presente na minha imaginação.

Aluna: E o transforma em corpo?

Claudio: Transforma em corpo outra vez: transforma em imagem.  (O que eu estou dizendo para vocês é dificílimo, eu sei, mas o que eu estou dizendo é que quando as coisas desaparecem, elas mergulham no fundo do tempo. É isto que estou chamando de “fundo do tempo”: não tem espaço. Há uma diferença entre este copo no espaço, como há uma diferença entre este copo mergulhado no tempo e o tempo no qual ele está mergulhado. Ficou muito difícil aqui? Esse tempo, no qual este copo está mergulhado, nunca foi presente. A nossa consciência, com as suas faculdades, só lida com seres atuais.

― O que quer dizer um ser atual? É um ser que necessariamente está no presente do tempo. Aí, vocês perguntam: “Bom, mas a minha consciência não pode recuperar alguma coisa que esteja no meu passado?” Pode. Mas, quando recupera, imediatamente aquilo se torna presente no tempo.  Então, a consciência lida com o que se chama atual.  Enquanto que o pensamento, que é essa faculdade involuntária que está dentro do sujeito, mas que não pertence ao sujeito, não vai lidar com os atuais: vai mergulhar no fundo do tempo e lidar com o que se chama o virtual.

Aqui está aparecendo uma diferença entre atual e virtual. (Vamos ver se passa:) O atual é uma composição ou um bloco de espaço-tempo. (Não deixem passar sem entender, hein?). Tudo aquilo que existe é necessariamente um bloco de espaço-tempo. Tudo que existe está dentro de um bloco de espaço-tempo. Este copo aqui está no espaço e no tempo, necessariamente ― não há como ser de outra maneira.

A questão do pensamento não é apreender as coisas atuais que estão no bloco de espaço-tempo. A questão do pensamento é mergulhar no tempo puro. Ele mergulha no que eu chamei de virtualidade.

(Eu teria que ter a tela aqui para mostrar para vocês!)

Aluno: Esse bloco de espaço-tempo é indissociável?!

Claudio: Indissociável!

O bloco de espaço-tempo (Vocês agora podem até acelerar questões para mim) é um nome abstrato que encerra dentro dele, por exemplo, as noções de meio histórico e meio geográfico.

Neste momento, por exemplo, nós estamos no meio histórico Rio de Janeiro, século XX, Castelinho: é um meio histórico num bloco de espaço-tempo, tá? Ou, então, pode-se dizer ― um meio geográfico.  O meio geográfico, para ficar mais claro, no Alaska, por exemplo, não tem meio histórico: só tem meio geográfico.  Então, no bloco de espaço-tempo é que se constituem os meios.

Aluno: Eu quero saber o seguinte: quando você mergulha no virtual, mergulha no tempo: no passado puro, no tempo puro; esse espaço vem junto?!

Claudio: Não, não. Vamos tentar tornar bem claro: é nesse bloco de espaço-tempo onde estão os corpos.  O bloco de espaço-tempo é onde aparecem os meios ― o planeta, um território, um átomo, pouco importa: qualquer coisa que apareça, aparece num bloco de espaço-tempo.  Ou seja, qualquer coisa para aparecer pressupõe um espaço e pressupõe o presente do tempo.  Se você for transformar em campo histórico, o bloco de espaço tempo é aquilo que o historiador chama de meio histórico: uma cidade, o campo, uma favela. A França em 1831, por exemplo, é um meio histórico.  A novela, o que ela trabalha? Ela trabalha no meio histórico.  A novela de época é o quê? Um meio histórico; então, a equipe, aqueles que trabalham na novela vão fazer a investigação, procurar arquivos para ver como é que se vestia na época, como é que se fazia isso, como é que se fazia aquilo para recuperar aquele meio histórico. O meio histórico pressupõe um bloco de espaço-tempo.

Nesse meio histórico ― que está dentro do bloco de espaço-tempo ― estão os corpos.  Pouco importa o que sejam ― corpos físicos ou corpos vivos ― estão dentro de um bloco de espaço-tempo. Qualquer corpo está dentro de um bloco de espaço-tempo.  E todos os corpos têm uma função: agir e reagir.  Todos os corpos agem e reagem no interior do bloco de espaço-tempo. (Tá?)

(Aqui é que eu precisaria do “quadro” para tornar a informação para vocês mais potente. Como não tenho, eu vou ter que desviar a aula para vocês poderem entender.) (Não tem como telefonar para ver se o “quadro” vem, porque se não vier… eu já mudo essa aula.)

O que eu estou dizendo ― a única maneira que eu tenho para dizer no momento ― é que a natureza é um bloco de espaço-tempo; e nesse bloco de espaço-tempo está a matéria.  E essa matéria está em um movimento de velocidade infinita.  O que se encontra nessa matéria é um movimento em velocidade infinita, em que a matéria toda está se envolvendo uma com a outra… Então, existe um processo, no interior da matéria, chamado ação e reação. Essa matéria age e reage. Ou seja, num bloco de espaço-tempo, vai-se encontrar toda a matéria do universo em movimento, agindo e reagindo uma sobre a outra.

Então, você encontra o que eu estou chamando de bloco de espaço-tempo. E dentro do bloco de espaço-tempo, um conjunto ilimitado de matéria em processo de turbilhão. A matéria é um turbilhão, está em movimento constante, agindo e reagindo uma sobre a outra. É como se fosse um universo de luz, em movimento de turbilhão, (turbos, não é?). Aquele movimento imenso da matéria e todos os seus elementos se encontrando uns com os outros.  Por isso, eu passo a dizer (vou usar um nome, que é o único que eu tenho agora) que a origem da natureza é um sistema em que a matéria está em movimento e todos os elementos da matéria estão em contato uns com os outros.

(Agora eu vou ter que fazer força e, vocês estarão prejudicados nesse momento porque eu não tenho imagens para mostrar para vocês, tá?)

O que eu estou chamando de matéria, ou melhor, eu vou usar outra forma aqui: Sempre que eu usar palavra imagem, sempre que essa palavra imagem aparecer, essa palavra quer dizer: aquilo que aparece. A palavra imagem traduz-se por aquilo que aparece. Então, sempre que eu usar a palavra imagem, nós sabemos de uma coisa: a imagem é aquilo que não se esconde; é aquilo que está sempre aparecendo.  Esse universo é constituído de matéria ao infinito; matéria é sinônimo de luz e luz é sinônimo de imagem.  A natureza é constituída de matéria ou imagem ou luz em velocidade infinita.

[Surge a notícia de que a “tela”, esperada pelo Claudio, não vai chegar.]

(Terrível! Eu vou dar uma pausa e reorganizar isso aqui para vocês…)

Existe um pintor inglês, chamado Turner, que é um pintor de marinhas. E ele começou sua vida como pintor pintando fragatas no porto, naus no porto, nas calmarias, na brisa das primaveras… e depois, na segunda fase dele, ele evoluiu ― ou involuiu ― para pintar essas naus e fragatas no interior de uma tempestade. E na terceira fase, ele faz desaparecer todos os objetos: só existe uma tempestade de luz dourada (era a tela que eu ia mostrar para vocês!) onde não se pode distinguir nenhuma coisa, nenhum objeto, não há nenhum objeto para se distinguir… Só há aquele turbilhão de luz… um fulgor de luz dourada.  Esse turbilhão de luz, esse fulgor de luz dourada chama-se Plano de Imanência ― e é a Natureza na sua origem.  É um fulgor de luz dourada.

Aluno: Pode-se dizer que ele começou a trabalhar com o pensamento; que ele entrou no virtual?

Claudio: Exatamente! A passagem do Turner em sua pintura é de uma beleza excepcional: ele começa a vida artística dominado pela representação; ele enfurece a representação, até que ele cai na fenda sináptica.  Mergulha na fenda sináptica, mergulha na fenda, e dali, então, só quer tirar os turbilhões da fenda.

Aluno: Claudio, eu queria tirar uma dúvida: quer dizer então que não houve intencionalidade, uma vez que você disse que o pensamento é involuntário quer dizer, não pode haver intencionalidade nesse processo de entrada no pensamento.

Claudio: Não, não houve. Não pode haver intencionalidade ― vejam bem o que ele está colocando ― porque o pensamento não é voluntário. O pensamento não é voluntário. O pensamento só aparece se alguma coisa de fora forçá-lo a pensar, senão ele não aparece.

Aluno: O pensamento então estaria nas fendas também?

Claudio: Você poderia dizer que sim. Sem dúvida nenhuma nas fendas. Porque o pensamento não é nada do sujeito. Não é nada do sujeito. Mas o mais importante é a questão que ele colocou, porque o pensamento não é voluntário: ele é involuntário. Alguma coisa que vem de fora força o pensamento a pensar.  Força! Na linguagem de Espinosa, isso se chama encontro. Viu? Quem habitou com mais beleza e mais sofrimento essa questão do pensamento foi Artaud. Não é? Que em determinado momento eu vou mostrar o Artaud para vocês, e toda a associação do Artaud com o pensamento. Aqueles gritos do Artaud não eram por causa de injeções psiquiátricas.

A maior tolice, não é? “Ah, o psiquiatra tratou mal do Artaud!”. Tratou ou não tratou mal não importa para a gente. O que nos importa é que aqueles gritos do Artaud é que ele queria pensar e não podia.  Porque o pensamento não é voluntário. Entendeu? O pensamento pressupõe essa força que vem de fora.

Então, o quadro do Turner é exatamente o que eu chamei de um turbilhão de luz. Nesse turbilhão de luz há um movimento. Então, como eu chamei a luz e a matéria também de imagem ― que, em grego, é aquilo que aparece. Vocês podem usar a palavra fenomenologia, ou a palavra phaneroscopia. O fenômeno ― ou phaneron ― é aquilo que aparece. Imagem é, então, aquilo que aparece.

Nós estamos encontrando a origem (Ursprung, em alemão). [Eu estou usando apalavra origem porque não tem outra, tá? Porque eu não tenho outra!] Então, na origem, nós temos a natureza constituída por um movimento infinito de luz, labiríntico e acentrado. Porque nesse movimento de luz não existe um centro.  Nada é centro. Como também não existe nenhum caminho definido.  E agora o mais difícil: provavelmente não existe nem espaço, porque não há alto e baixo, direita e esquerda; lá não há senão o movimento caótico e em turbos, como eu estou dizendo, um turbilhão dessa luz.  E essa luz age e reage um corpo sobre o outro.

(Foi bem essa explicação, uma explicação sem imagem?)

Aluna¹: Labiríntico você falou que botou porque ele não tem…

Claudio: Labirinto porque esse movimento não tem direção, ele não tem caminho, ele não tem começo não tem fim, ele é só meio.

Aluna²: Você está falando de que como labirinto? Eu me perdi.

Claudio: Dessa luz, dessa origem, que eu vou chamar de primeiro sistema de imagens. Use esse nome. É o primeiro sistema de imagens. É uma natureza em movimento. Em movimento.

(Não deixem passar se vocês tiverem qualquer questão. Vocês colocam e eu respondo)

Aí, nesse turbilhão de luz, existem movimentos e esses movimentos se chamam ação e reação. Por que ação e reação? Porque cada elemento desse infinito turbilhão de luz entra em contato com todos os outros elementos da natureza. Ele entra em contato com todos. Certo?  Então, nesse universo de luz, tudo se contata com tudo. Bergson, que é o autor que desenvolve essa questão, chama a isso de marulho universal.  É onde os elementos estão em contato um com os outros.  E esse contato dos elementos uns com os outros vai ser chamado de ação e reação.

(Então, é isso.)

Aluna: Nesse turbilhão de luz você disse que não tinha espaço?

Claudio: Eu prefiro não dizer nada sobre isso agora porque pode trazer problema. Eu disse isso sim. Eu disse que não tinha alto, baixo, que não tinha direita, esquerda. Eu estou dizendo que isso é um turbilhão caótico, em que você está dentro, tá?

Aluna: Só existe movimento!?

Claudio: Só movimento. Um movimento inicialmente muito difícil de ser compreendido, mas, então, a única coisa que importa aqui, que vai importar a você, é que os elementos que estão aí dentro agem e reagem.

Aluno: Agora, quando o Turner pinta esse turbilhão, é um ato consciente, não é?

Claudio: Olha, essa sua preocupação de ser um ato consciente sem nenhum distúrbio é um desejo de querer salvar a humanidade, de salvar a consciência. Pouco importa se é autoconsciente.  Importa-nos se o Van Gogh pintou consciente? Importa-nos se o Mozart fez músicas consciente?  Importa o que fizeram, certo? Mas eu acredito que não seja um ato consciente. Se fossem atos conscientes, seriam atos inteiramente banais. Porque a consciência está incluída no meio histórico, a consciência é territorializada, a consciência é chegada a padarias, a doces… É claro que o Turner gostava de um doce de coco, mas ali o pensamento não está interessado em doces. O pensamento só lida com turbilhões, com o caos.

Aluno: Com intensidades?

Claudio: Vamos deixar essa palavra intensidade para frente, até o momento em que vocês possam entendê-la, em vez de usá-la literariamente, tá?

(Então, atenção:)

Nesse turbilhão de luz há os elementos que estão ali dentro e que agem e reagem uns sobre os outros. Tá? Então, vamos fazer uma hipótese (eu estou fazendo essa hipótese, porque na hora que eu começar a penetrar pode ser que faça falta à compreensão). Então, vamos dizer que isto daqui [Claudio mostra um objeto qualquer] seja um elemento dessa natureza, tá? Ele vai agir, vamos dizer que ele aja sobre este [Claudio mostra outro objeto qualquer]. Ao agir sobre este, todas as partes do corpo dele agem sobre o outro em todas as suas “faces”; é o todo do elemento que reage ao todo do outro elemento; e é assim no universo inteiro, infinitamente.  Esse movimento infinito de luz, imagem ou movimento, esse caos, esse turbilhão, chama-se Plano de Imanência.

(…) Esse turbilhão de luz, esse turbilhão de matéria, esse turbilhão de imagem, esse turbo, esse caos, esse movimento “turneriano”, chama-se Plano de Imanência. E num determinado momento desse plano de imanência (não vou ter como explicar isso agora) vai aparecer alguma coisa entre a ação e a reação; alguma coisa vai entrar no meio da ação e da reação. E a essa coisa que vai entrar no meio da ação e da reação eu vou chamar de intervalo. Ou seja, algo vai aparecer dentro desse universo de fogo.

Algo vai aparecer! Esse algo que vai aparecer dentro desse universo de fogo chama-se intervalo.

(Atenção:)

Eu disse que este universo é feito de matéria, e de luz, e de imagem? Tudo, neste universo, é luz, imagem e matéria. Por isso, esse intervalo também é luz, matéria e imagem. (Tá?)

Agora eu vou tirar as palavras luz e matéria ― e dizer que é tudo imagem. Aí, então, entre a ação e a reação, vai aparecer uma nova imagem. Essa nova imagem chama-se intervalo. E aqui começa a surgir uma das coisas mais bonitas da história do pensamento!

Aluna: O plano de imanência seria o caos?

Claudio: O plano de imanência seria o caos. A questão do caos eu vou retornar depois para explicar! O surgimento do intervalo é o que me importa.

Agora, prestem atenção:

Nada pode ser acrescentado a esse plano de imanência; tudo o que nele aparecer é o que ele tem! Nada pode ser acrescentado. E o que tem esse plano de imanência? Ele tem imagem, ele é imagem; logo, nele só pode aparecer? Imagem. Ele é feito de imagem, só pode aparecer imagem. Ele é feito de luz, só pode aparecer luz. Não pode aparecer nada que ele não tenha. Então, entre a ação e a reação vai surgir o que eu chamei de intervalo. O intervalo vai separar a ação e a reação.

― O que é exatamente o intervalo?

Aqui é que começa a surgir o problema do cinema. Não só o problema do cinema, como também o problema da vida. Esse intervalo é o nascimento da vida. A vida vai começar a aparecer neste universo. E quando a vida aparece, ela aparece separando a ação da reação. Ela aparece como um pequeno intervalo. Esse pequeno intervalo é constituído de dois lados. Um lado chamado ação e o outro lado chamado reação; e um meio chamado de intermezzo. O lado da ação chama-se percepção; o lado da reação chama-se ação; o intermezzo chama-se afecção.

Então, quando o vivo emerge neste universo, traz com ele três imagens: percepção, afecção e ação.

― Agora, o que é exatamente o surgimento da vida?

(Eu sei que é muito difícil, sobretudo porque nós não temos imagens para ver).

O surgimento da vida é o surgimento do intervalo. Esse intervalo vai trazer algo surpreendente para este universo: que é o fato de o ser vivo estar dentro do processo da ação e da reação de toda a natureza. Ele não sai desse processo! Mas o ser vivo inclui o que eu chamei de um intervalo; o ser vivo é o intervalo.

O que vai acontecer? Antes do ser vivo, as coisas agem e reagem imediatamente. Há uma ação e uma reação simultâneas na natureza. A ação e a reação na natureza são tão simultâneas, são tão imediatas, que esses nomes “ação e reação” são quase que nomes de direito e não de fato ― de tão imediato que tudo se processa. Mas no momento em que a vida aparece… e a vida é a introdução de um pequeno intervalo entre… a ação e a reação. E o que a vida vai fazer é uma ralentação. A vida vai ralentar o movimento. Como? A vida vai ralentar o movimento, porque o vivo percebe o movimento ― todo vivo tem o poder de perceber o movimento; e quando o vivo percebe o movimento, a função dele é devolver movimento ao movimento que ele percebeu. Por exemplo: um vivo vê um predador, ele vai e corre: foge.

Então, perceber quer dizer: apreender movimento. Esse movimento que o vivo apreende, ele o prolonga, para que esse movimento seja devolvido.  Então, o vivo introduz dentro desse sistema de imagem o que se chama esquema sensório-motor.  E o esquema sensório-motor é exatamente o intervalo.

O esquema sensório-motor é constituído de uma linha chamada percepção: a função da percepção é receber movimento. De outra linha chamada ação: ele recebe esse movimento, esse movimento da percepção se prolonga na ação e a ação devolve o movimento. Mas entre a percepção e a ação, no vivo, está o intermezzo. Esse intermezzo é o poder que o vivo tem de escolher qual a ação que vai ser feita.

No momento em que o vivo escolhe o tipo de ação que ele vai devolver ao mundo, ou que tipo de movimento ele vai devolver ao mundo, o ser vivo introduz na natureza a hesitação. A hesitação não é uma deficiência. Certo? Não precisa haver cadeiras de rodas específicas para os hesitantes. A vida hesita por natureza.

― O que é a hesitação? A hesitação é: como irei devolver esse movimento recebido? Por isso, quando a vida nasce, ela não nasce (entendam isso dentro dos limites de suas possibilidades) sob o plano da necessidade, a vida nasce sob o plano do problema. A vida é problemática.

O problema não é uma deficiência, é a essência da vida. Ou como dizia um pensador recentemente morto, chamado Michel Foucault, a vida é a ontologia do problema. Ou seja, todo vivo traz com ele o problema. Qual problema? Ele percebe o movimento e ele tem que devolver o movimento. Essa devolução de movimento pode fazer com que o vivo devolva o movimento de diversas maneiras:

Por exemplo: neste momento, eu estou com a mão aqui… [Claudio movimenta a mão em várias direções], aí eu posso levantá-la, posso baixá-la, posso fazer isso, posso fazer isso, fazer isso… posso fazer quase que um ilimitado número de movimentos. Quando eu faço esse, eu deixei de fazer os outros. O movimento que é feito chama-se atual. Os que deixam de ser feitos chamam-se possíveis. O que implica em dizer que todos os vivos trazem com eles infinitos mundos possíveis.

(Conseguiram entender ou não?)

Aqui está nascendo o coração de Proust: todo vivo traz com ele uma quantidade infinita de mundos possíveis. Esses mundos possíveis são aqueles que não foram atualizados.

Aluno: Seria isso a anamnese? Ele estaria referenciado, nesse lugar de intermezzo, a essa anamnese?

Claudio: É, mas ainda não é bom chegar lá não. É por aí, mas não é bom chegar lá não! O que eu quero que vocês entendam agora é uma categoria que apareceu na natureza: o possível. Que os seres anteriores à vida…

Aluna: Possível ou virtual, não é?

Claudio: Vamos deixar possível, depois eu volto com o virtual, está correto o que você está dizendo… A minha questão agora é o cuidado com a linguagem, para não haver delírio, ouviu? Eu estou usando a palavra possível no seguinte sentido… Inclusive o Bergson não gosta dessa palavra. O Bergson quer a palavra virtual. Mas eu estou usando possível, no sentido de que você pode devolver o movimento de diversos modos, mas você devolve um. Devolve um; o resto cai no campo dos…?

Alunos: Dos possíveis!

Claudio: Chamam-se mundos possíveis. Vai existir um pensador, do século XVII, que a grandeza da obra dele foi pensar os mundos possíveis. Chama-se Leibniz.

Vamos outra vez:

O vivo percebe a natureza. A percepção é utilitária e interessada. Certo? Então, cada vivo só percebe o bloco de movimento que lhe interessa. O resto, ele não percebe. Só percebe o bloco de movimento que lhe interessa. Ou seja, só percebe o bloco de luz que lhe é importante; o restante ele não se importa. Esse bloco que ele percebe, ele vai prolongar… Ou melhor, a percepção é um processo que se dá entre o esquema sensório e o esquema motor. Sensório é a possibilidade que nós temos de receber movimentos de fora. Motor é o processo de devolução desse movimento. A percepção está entre os dois: entre o sensório e o motor. Então, quando ela recebe movimento, ela recebe para devolver o movimento. Recebe o movimento para devolver o movimento. Se o vivo não for muito rápido, a vida não se processa. Dizem que existem determinados animais na floresta que, se dormirem mais de um segundo durante a noite, morrem. (Tá certo?)

Então, o vivo tem que ter uma velocidade assustadora. Mas ele não tem a mesma velocidade do átomo. Por quê? Porque ele tem o pequeno intervalo que ralenta. Em outra linguagem, esse pequeno intervalo já pressupõe uma teoria do cérebro. Grandes cineastas do cérebro: Stanley Kubrick, Godard.  Cinema do cérebro.

Aluno: O que eu gostaria de entender é o seguinte: entre o sensório e o motor teria o intervalo…

Claudio: Não. O sensório-motor é o intervalo. Ele é o intervalo. Ele é o intervalo com duas pontas e um meio. As duas pontas são a percepção e a ação. E no meio dele a afecção. A afecção é o que eu chamei de intermezzo ou intermédio, que é exatamente onde se dá a escolha da resposta que vai ser dada. Então, vamos dizer assim: você recebe uma quantidade de luz, quer dizer: essa quantidade de luz que você recebe é o movimento que está vindo de fora. Uma quantidade de luz entra no neurônio: é uma quantidade de luz muito pequena! A massa de luz vai para a fenda. Então, você tem que dar uma resposta para essa quantidade de luz. Pra essa quantidade que está aqui. Você tem que dar a resposta. Então, a afecção diz imediatamente que resposta você vai dar: o caminho é fugir; eu sou uma barata, ali tem um rato, eu vou fugir…

Aluno: Não chega a ser uma reflexão?

Claudio: Não, de maneira nenhuma. Por que não é uma reflexão? Porque a reflexão já é um processo que vai estar no interior da consciência. (Tá?). Mais tarde eu vou dar essa resposta com maior precisão para você. Não é nem uma reflexão nem uma memória.

Aluno: Não é uma reminiscência…

Claudio: Também não.

Então, nesse procedimento que está aqui, o que eu queria que vocês marcassem é o surgimento de três elementos dentro da natureza. Esses três elementos são: imagem-percepção; imagem-afecção e imagem-ação. Aparecem essas três imagens, porque tudo o que está lá dentro é imagem. Há percepção? Logo, tem imagem! Há afecção? Logo, tem imagem! Há ação? Logo, tem imagem!

A imagem-percepção, vamos dizer, é o modelo do cinema do Vertov. Ou o modelo do cinema do Pasolini.

A imagem afecção Bergman, Pabst, de alguma maneira, Eisenstein, Griffith. Ou seja, a imagem-afecção é um momento magnífico do nosso trabalho.

E, em seguida, a imagem-ação, que é o chamado cinema realista. (E eu vou trabalhar por aqui, para ficar mais fácil pra vocês!)

O que eu estou fazendo agora, porque eu tive a ausência da tela, é precipitando a aula, já penetrando no cinema. Então, o cinema (atenção, vamos ver se ficou bem, hein?), ou melhor, essas três imagens ― percepção, afecção, e ação ― são resultados de um movimento que se dá por ação e reação. Esse movimento é interrompido pelo intervalo; esse intervalo gera três tipos de imagens, que não existiam: a percepção, a afecção e a ação. Então, atenção!

― Posso dizer que há um momento em que não se tem a percepção, a afecção e a ação, posso dizer isso?

Aluna: Pode!

Claudio: E há um momento em que se tem a percepção, a afecção e a ação.

Então, eu vou dizer que existem, na natureza, dois sistemas de imagens: o primeiro sistema de imagens é a ação e reação direta, imediata. Esse primeiro sistema de imagens é labiríntico e acentrado. Conseguiram entender aqui? Ele é um labirinto, ele é acentrado, no sentido em que tudo se mistura com tudo.

(Se vocês tiverem algum problema, lancem, viu?)

Aluna: Antes de o intervalo aparecer!?

Claudio: Antes de o intervalo aparecer!

Então, você tem o primeiro sistema de imagens, e agora você vai ter o segundo sistema de imagens. O segundo sistema de imagens é resultado do movimento. A percepção, a afecção e a ação. Então, nós vamos começar a estudar cinema por essas três imagens.

Aluna: Eu não entendi por que é resultado do movimento.

Claudio: Porque o movimento gera ação e reação. Ou melhor, o movimento não gera ação e reação. O movimento, no primeiro sistema, é ação e reação. Então, é uma interrupção na ação e reação que vai fazer surgir o vivo ― que é percepção, afecção e reação. Então, quando o vivo aparece, ele aparece por causa do movimento. É o movimento que o faz aparecer!

O que vocês estão achando, está muito difícil?

Aluno: Claudio, nesse exemplo que você deu, do Turner, nessa última fase dele, do turbilhão, onde estaria ele?

Claudio: No primeiro sistema.

Aluno: Mas ele estaria trabalhando com a afecção?

Claudio: Não. Ele está no primeiro sistema de imagem. Ele está no sistema que é turbilhão, labirinto, acentramento, tudo se combinando com tudo. Ele não está nem na afecção, nem na percepção nem na ação. Ele está no primeiro sistema de imagem.

(Eu acho que nós vamos dar conta disso com muita facilidade na próxima aula.)

O que eu estou fazendo para vocês é um corte. Um corte. Dizendo que a vida vai trazer três tipos de imagens: a percepção, a afecção e a ação. Esses três tipos de imagem não existiam no que eu chamei de origem. Por isso, eu posso utilizar esse nome: dois sistemas de imagem. Um primeiro sistema, acentrado. (Agora talvez melhore!)

No primeiro sistema de imagens, onde estaria a tela do Turner, não há centro, só há turbilhão, só há labirinto. O vivo, quando aparece, introduz na natureza os centros. Todo vivo é um centro de indeterminação.

― Por que um centro de indeterminação? Porque você não pode nunca prever o que o vivo vai fazer.

Aluno: É possível, no cinema, esse primeiro sistema de imagem?

Claudio: O primeiro sistema de imagem, por exemplo, eu acho que eu tenho hoje aí para mostrar para vocês é uma tentativa do Vertov de fazer um filme sobre o primeiro sistema de imagem.

― O que é o primeiro sistema de imagem? Onde tudo se mistura com tudo.

Aluno: É o plano de imanência…

Claudio: É o plano de imanência!

Olha que coisa interessante: o cinema, entre outras coisas, não traz a montagem? Então, eu pego uma câmera e filmo, por exemplo, essa menina aqui. Filmo e corto. Daqui a dezessete dias eu filmo outra coisa qualquer, e junto os dois filmes. Então, eu juntei essa menina com alguma coisa que está inteiramente separada dela. Ou seja, pela montagem, eu posso juntar tudo com tudo. É isso que faz o Vertov e é isso que se chama (marquem!) cinema olho.

Aluna: O cinema olho traz a imagem em si.

Claudio: A imagem em si. O cinema olho é uma tentativa de reproduzir, no cinema, o primeiro sistema de imagem.

(Vocês entenderam aqui?)

Isso é o Vertov. Ele vai botar o primeiro sistema de imagem dentro do filme dele. Isso é o gozo que o homem sente quando ele começa a experimentar uma arte e gerar uma tecnologia para expressá-la.  A alegria que um homem sente de poder juntar uma esquina de um domingo com uma praça de segunda-feira. Não é? Que beleza, poder fazer isso! O cinema está, então, possibilitando a recuperação do primeiro sistema de imagens.

Agora, o segundo sistema de imagem vai-se chamar imagem-movimento.

― Quantos elementos da imagem-movimento apareceram?

Aluna: Três.

Claudio: Três: imagem-percepção, imagem-afecção e imagem-ação.  Mas, na verdade, no segundo sistema de imagem, a imagem-movimento, são seis imagens:

1.     Imagem-percepção – Vertov (depois eu vou acrescentar outros, tá?), Pasolini.

2.     Imagem-afecçãoDreyer. Vocês viram Joana D’Arc?

3.   Imagem-ação – (é todo o cinema de Hollywood. Vamos colocar o faroeste, como exemplo.) – John Ford. Conhecem o John Ford? Clint Eastwood. Pronto! É o cinema…? Ação.

4.     Imagem-pulsãoBuñuel.

5.     Imagem-reflexãoKurosawa (Os Sete Samurais, por exemplo)

6.     Imagem-relaçãoHitchcock.

Vamos ver outra vez:

Imagem-percepção, o exemplo que eu dei por enquanto foi o Vertov, para vocês poderem entender… Aí, é um negócio perigoso, porque quando eu dei o Vertov como exemplo, eu já tinha dito que o Vertov tenta fazer o quê? O primeiro sistema de imagem. O que implica em dizer que a percepção é anfíbia: ela está nos dois sistemas.

Foi a aula passada: imagem em si e representação. Vocês conseguiram aqui, a percepção nos dois sistemas? Depois eu clareio perfeitamente. Se vocês tiverem algum problema, perguntem. A percepção nos dois sistemas de imagem: no primeiro sistema, e a percepção no segundo sistema. Tá?

O segundo sistema, ele é todo pensado por Pasolini. É onde vão aparecer as chamadas… (é de uma beleza, de um encanto, uma coisa assustadora!) vão aparecer as percepções chamadas moleculares, sólidas e gasosas. (Nós vamos ver isso, tá? Nós vamos ver os artistas que fazem cinemas gasosos, cinemas moleculares, e assim por diante.)

Em seguida, a imagem-afecção – (Vocês sabem que eu estou acelerando o curso, viu? Essa fenda-sináptica me fez acelerar.) – a gente vai fazer assim, para poder passar: Dreyer, vamos colocar Bresson (Quem conhece? Pickpocket, por exemplo). Bresson está para o cinema como Pelé está para o futebol. É um dos mais altos níveis de cineasta, tá? Murnau e Sternberg ― vocês conhecem? A Imperatriz Vermelha, O Expresso de Shangai, etc.

Aluno: Bergman?

Claudio: Pode colocar Bergman também.

Agora, vamos fazer associações, ainda sem explicações. Nós ainda não podemos introduzir muitas explicações. A única coisa que nós sabemos é que a imagem-percepção transita nos dois sistemas.  Agora, a imagem-afecção ― eu usei quatro, não é? Então, vamos lá, vamos marcar:

Primeiro plano – Dreyer e Bergman (Quer dizer, vocês vão ter aula de primeiro plano!).

Espaço desconectado – Bresson.

Sombras expressionistas – Murnau.

Abstracionismo lírico – Sternberg.

Esses quatro estão na imagem-afecção. Cada elemento desses é um temporal de beleza!

Agora, nós vamos entrar na Imagem-ação. Vamos pegar quatro gêneros:

John Ford, Anthony Mann – (porque esses têm filmes para ver).

Agora vamos colocar:

Documentário – também está no cinema ação: Flaherty.

Psicossocial: Arthur Penn.

Cinema histórico: Cecil B. DeMille

E agora o mais magnífico, pelo qual eu sou mais apaixonado:

Cinema noir = Howard Hawks.

(Tem mais…)

Claudio: A aula está bem, Camila?

Aluna: Está corrida demais para mim.

Claudio: Tá. Eu vou mais devagar. Eu agora vou ralentar! O que houve, você está com algum problema nos gêneros?

Aluna: Está difícil para mim.

Claudio: Para escrever? Não se preocupe em escrever, que o Sérgio depois vai dar tudo escrito para você. Não tem problema nenhum! Ninguém precisa ficar com problema de copiar. Alguém poderia se predispor a fazer uma lista e colocar depois no quadro negro a divisão que eu estou fazendo. Isso se chama taxionomiaTaxio quer dizer classificar. Classificar os gêneros do cinema da mesma forma que um botânico classifica as folhas e as flores e o zoologista classifica os animais. Ex: A barata, o rato e a mosca; o western, o histórico e o noir.

O noir vai-nos conduzir para um caminho magnífico. Não há como pensar o cinema noir sem conhecer a literatura noir. Autores como Dashiell Hammett, David Goodis ― Quem conhece Atire no pianista? O livro, não o filme. É uma obra prima!

Agora, qual a imagem que falta?

Imagem-pulsão – (esse é barra pesadíssima, viu? Vocês vão ter literalmente que “engolir” os nomes… “engolir”!)

Buñuel Repetição e Ciclo

Losey Violência Contida

Stroheim Entropia

Vocês sabem que ele trabalhou num filme? Chama-se Sunset Boulevard, com o William Holden, a Glória Swanson… O papel que ele, o Stroheim, faz é lindo, não é? Belíssimo!

O Naturalista, eu vou ter que dar uma aula só de cinema naturalista. Nós vamos combinar, todo mundo vai ficar de joelhos, assim,ouvindo a aula… É uma coisa magnífica!

Imagem-reflexão :

Kurosawa questão. Aqui eu não vou forçar. Eu vou forçar só dois.

E Sidney Lumet. Quem conhece? Ele fez, por exemplo, um filme com o super-homem (que sofreu aquele desastre, não sei nem como ele anda…)

Sidney Lumet – perambulação. Ele fez aquele filme famoso, como se chama? Um dia de cão. Com o Al Pacino.

O que falta?

Cinema Relação:

Hitchcock imagem-mental.

Hoje nós vamos passar um Hitchcock: Disque M Para Matar. Não era para passar hoje. Ainda não tenho como dizer nada sobre ele: houve uma precipitação.

Aluno: Hoje vai passar também o Amacord , do Fellini.

Claudio: Do Fellini, não é? Eu estou dizendo que vai passar aqui neste curso. [No Castelinho do Flamengo, onde foi realizado este curso].

Então, as seis imagens-movimento estão dadas.

O Fellini está fora daqui. Ele vai entrar no que vocês ainda não receberam, que se chama Imagem-Tempo. Depois que nós dermos conta da imagem-movimento, aí nós vamos pegar o bonde do Sidney Lumet, e fazer a perambulação… Ou pegar o Benjamin, ou pegar o Baudelaire e ser flâneur, e entrar no Tempo Puro. E aí, no tempo puro, nós vamos entrar no Fellini, no Visconti, no Godard, etc.

Se vocês forem ver o Disque M, atenção com “a chave”. Uma chave que tem no filme. Só.

Atenção: eu vou passar um Vertov. Lembrem-se bem: qual é a imagem do Vertov? Imagem-percepção. E a percepção se abre para dois lados, hein? O Vertov tenta o primeiro sistema.

[Exibição de um trecho de Um Homem com uma Câmara do Vertov]

Prestem atenção ao que eu vou dizer… Quando nós passarmos para o segundo sistema de imagens… (Esse foi o primeiro!) Vocês notaram que nesse filme daí não tem nenhuma história, ou tem? História é sinônimo de narrativa. Aí não tem nenhuma história. Quando nós passarmos para o segundo sistema de imagens, este segundo sistema de imagens vai ser governado pela narrativa. Vejam se entenderam o que eu disse. A narrativa quer dizer ― uma história.  O cinema vai nascer quando ele faz a passagem do que se chama cinematógrafo para cinema… Cinema vem da palavra grega Kinesis = movimento, ouviu? Quando passa para o cinema, o cinema nasce sob o modelo da narrativa.

Vocês sabem o que é narrativa? Narrativa é uma história que tem começo, meio e fim. É por isso que quando você entra num filme do cinema-tempo, a narrativa pode não existir. A narrativa pode ter desaparecido. A narrativa é um componente da imagem-movimento.

Resultado de imagem para djinn alain robbe grilletA narrativa é uma história. Você conta uma história. Há uma história aqui [no Vertov]?  Não tem história nenhuma! Aqui pode entrar qualquer coisa com qualquer coisa! A história é uma passagem de um momento para outro momento, e a imagem-movimento vai se associar com a narrativa. Cinema de Hollywood. Não foi assim sempre. Não tinha que ser assim. Ainda que certos teóricos de cinema digam que tinha que ser assim! Ou seja, a narrativa se associou com a imagem-movimento. Por exemplo, se vocês pegarem… Vem aí agora, ao Rio de Janeiro, aquele “menino” chamado Alain Robbe-Grillet, que é um dos maiores pensadores do tempo. Maior pensador do tempo, talvez do século, seja o Alain-Robbe Grillet. A obra literária dele, eu vou aconselhar um livro para vocês lerem. Se vocês lerem, a gente cresce muito. Chama-se Djinn. Porque aí vocês vão entrar em contato com os procedimentos do que eu chamo Imagem-Tempo.

Se vocês quiserem ler o Djinn, eu dou os parabéns para vocês, porque é um livro apaixonantemente belo. E vai levá-los para uma conturbação. Se vocês lerem o Djinn, vocês vão entrar numa turbulência. Porque ele vai quebrar o esquema sensório-motor.

(Então, eu acho que a aula foi bem, não é? Resultados magníficos de aula!)

Esta é a segunda aula do Curso Filosofia e Cinema I (Imagem-Movimento) realizado no Castelinho do Flamengo no ano de 1995.  Outras aulas deste curso já estão transcritas:

Aula de 18/07/1995 – A filosofia e o cinema: para uma nova imagem do pensamento

Aula de 20/07/1995 – Sombras e imagens

Aula de 24/07/1995 – A imagem-afecção

Aula de 26/07/1995 – O nascimento do tempo

Aula de 27/07/1995 – O sentimento, o afeto e a pulsão

5 comentários em “Aula de 19/07/1995 – Plano de imanência: esse turbilhão de luz”

  1. Gostaria de imprimir este post ( uma aula, como todas do Cláudio, que nos faz adentrar um outro universo), mas não vejo o link que me permita fazê-lo.

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